Gustavo Dort – Um dos desenvolvedores do Horizon Chase
Nossa coluna mensal Heróis, com as entrevistas melhores entrevistas de todo esse site, está de volta! Esse mês trouxemos uma pessoa muito especial, um desenvolvedor de jogos famoso na cena Nacional, que trabalhou em grandes títulos, inclusive no aclamado Horizon Chase: Gustavo Dort!
Bora pra entrevista!!!!
Visio – Conte um pouco da sua trajetória para nossos leitores. O que você enfrentou, superou e conquistou como desenvolvedor de jogos?
Gustavo – Bom, comecei minha jornada no desenvolvimento de jogos na Global Game Jam 2011. É um evento mundial para criação de jogos e entrei de gaiato num grupo de conhecidos. A partir daí foram acontecendo muitas paradas interessantes e acabei tendo o privilégio de participar de vários projetos.Acabei trabalhando em algumas empresas como a Monster Juice, Aquiris Game Studio e Cupcake Entertainment. Também tive a oportunidade de trabalhar em projetos da Estrela, Volkswagen e Boticário. Nem tudo foram flores. No Brasil, por exemplo, nós temos uma forte cultura da mediocridade. Isso vem desde o ensino fundamental, onde zoamos o CDF porque ele estuda bastante e tem domínio sobre a matéria. O prestígio mesmo fica pro aluno preguiçoso nota 7 que não estuda mas consegue passar de ano. Isso continua no mercado de trabalho. Sem contar as passadas de perna que alguns colegas dão na gente, chefes intolerantes, prazos apertadíssimos, dar o sangue por um projeto e depois não ser reconhecido. Enfim, não é nada inédito no mercado de trabalho, mas a gente começa na área pensando que vai ser diferente, até porque supostamente são todos profissionais apaixonados pelo que fazem. Às vezes tenho a impressão que muito da cena brasileira de jogos consiste em panelinhas e você precisa conhecer as pessoas certas pra chegar aonde quer. Não é exatamente uma meritocracia e tem muita sabotagem no meio. No final das contas, é muito difícil não se deixar levar pelo cinismo e virar uma pessoa amarga. Nesse sentido, eu acho que tenho feito um bom trabalho!
Visio – Você considera Horizon Chase o seu maior trabalho até o momento?
Gustavo – Meus projetos com a Aquiris definitivamente são os que mais chamam a atenção no meu currículo e alguns desses projetos foram de fato gigantescos. Se maior significa sucesso, Horizon Chase seria o maior! Agora, se maior significa mais complexo, o Ballistic ganharia disparado. No tempo em que trabalhei no Ballistic, que foi mais ou menos 2 anos, tivemos muitos desafios técnicos para fazer um jogo daquele porte acontecer em vários continentes e idiomas diferentes. Foi de longe o maior projeto que trabalhei e foi muito gratificante também.
Visio – Como as pessoas que querem se tornar um desenvolvedor de jogos no Brasil podem começar sua trajetória?
Gustavo – Essa é uma pergunta que escuto com frequência! Alguns jovens já vieram falar comigo sobre esse assunto é a resposta é muito simples: faça acontecer! A gente fica se dando desculpa pra não fazer as coisas, né? “Ah, eu preciso de um artista“. “Ah, eu preciso de um programador“. “Definitivamente preciso de uma faculdade na área pra arranjar um emprego“.
A verdade nua e crua: Você só precisa fazer. E fazer bastante!
Quer fazer jogo mas não sabe fazer arte? Tem milhares de assets gratuitos na Unity Asset Store. Eu fiz um jogo pra Ludum Dare 41 chamado “A Fistful of Shrooms” e só usei arte pronta de lá! Quer fazer jogo mas não sabe programar? Aprenda! Ou pegue scripts prontos pra facilitar a tua vida. Um curso universitário pode te dar um conhecimento incrível sobre a teoria, mas não é garantia de emprego em lugar algum. Os melhores profissionais que conheço da área não têm formação, por exemplo. Eles estavam tão ocupados fazendo e aprimorando a arte de fazer que deixaram a universidade de lado. E a hora desses caras vale ouro!
É importante deixar claro que um diploma universitário é útil. Você tem ali a provação de horas de estudo e testes. Agora, um portfólio de jogos feitos por você é no mínimo tão importante quanto. Game Jams também são bem importantes! Nelas você tem um tema, um prazo de normalmente 48h e um jogo pra entregar. Alguns profissionais com quem já trabalhei têm um olhar de deboche para game jams, mas eu não teria chegado até aqui se não fossem por elas. Então pra você que quer fazer jogos: estude, faça cursos, participe de game jams, faça projetos pequenos e se coloque no mundo. E pare de arranjar desculpas!
Às vezes tenho a impressão que muito da cena brasileira de jogos consiste em panelinhas e você precisa conhecer as pessoas certas pra chegar aonde quer.
Visio – Você ministra um curso na GAMEscola, certo? Nos conte mais sobre esse curso. Qual o conhecimento prévio necessário para ingressar no seu curso? O que a pessoa que faz esse curso conseguirá realizar?
Gustavo – Sim, sou coordenador do curso de desenvolvimento de jogos em Unity da GAMEscola, no centro de Curitiba/PR, e sou responsável por preparar e lecionar o conteúdo das aulas. É um curso totalmente voltado pra prática com conteúdos teóricos complementares. O curso é de regime semi-presencial, ou seja, nos vemos duas aulas por semana para a prática e dúvidas, enquanto o conteúdo teórico é passado por vídeos online que eu gravo semanalmente. É parte de uma metodologia de ensino nova chamada metodologia ativa. Nela, o aluno é estimulado a ser autodidata, independente e curioso. Era necessário que o aluno tivesse cursado ao menos o primeiro ano do ensino médio por conta dos conhecimentos de vetores e álgebra tridimensional, mas isso está mudando. Alguns dos meus alunos de 14 anos ou menos e estão pegando os conceitos bem rápido! Isso não só vai facilitar a vida escolar deles num futuro breve, como também vai fazer muita diferença lá na frente! Sobre conhecimentos, não precisamos de muitos para começar. No entanto, é imprescindível ter vontade de estudar! Abrangemos vários conteúdos, desde lógica de programação até gerenciamento de equipes e pitches!
O curso tem duração de 1 ano e após esse período o aluno estará apto para fazer jogos simples na engine Unity, além de ter agregado bastante conhecimento sobre a indústria.
Visio – Qual a maior dificuldade que um desenvolvedor de jogos no Brasil enfrenta? O preconceito existe nesse mercado?
Gustavo – Estamos num período que favorece muito o empreendedorismo. Esse é um jeito bonito de dizer que a indústria de jogos no Brasil ainda é embrionária. Atualmente temos poucas empresas contratando, embora a indústria de jogos como um todo ultrapasse o faturamento da indústria cinematográfica. Isso está mudando aos poucos.
Pra você que quer fazer jogos: estude, faça cursos, participe de game jams, faça projetos pequenos e se coloque no mundo. E pare de arranjar desculpas!
Visio – Nós recebemos uma foto onde você aparece ao lado da equipe Warpzone. O que pode nos contar sobre isso?
Gustavo – Vocês não perdem tempo, né? Hahaha Não posso dizer muito, exceto que em breve teremos muitas novidades boas por aí. Principalmente para o público retrogamer.
Visio – Quais os projetos futuros que você pretende iniciar?
Gustavo – Estou abrindo uma pequena produtora de jogos dentro da GAMEscola, para que nossos alunos possam experienciar um pouco do mercado de trabalho num ambiente seguro.
Visio – Todos temos sonhos e ídolos. Se você pudesse fazer o jogo de qualquer pessoa, celebridade ou não, qual você escolheria e qual o motivo dessa escolha?
Gustavo – Olha, eu gosto muito do Barry Leitch e já tive o privilégio de trabalhar com ele! É um cara super humilde e gente boa!
Agora, se eu pudesse escolher qualquer pessoa, gostaria de trabalhar com o Shigeru Miyamoto!
Visio – O curso na GAMEscola nos interessou, mas nem todos estamos em Curitiba, existe algum planejamento para levar esse curso para outras cidades ou uma versão online dele?
Gustavo – Claro! Estou trabalhando nisso 🙂 Inclusive já estou gravando vídeos para o lançamento de um curso online de desenvolvimento de jogos em Unity. Logo teremos maiores informações para repassar.
Gostaria de trabalhar com o Shigeru Miyamoto!
Visio – Quais jogos já te ajudaram ou te inspiraram no processo criativo?
Gustavo – Acho que essa é uma parte bem legal de ser gamer: todo jogo ajuda. Mesmo que seja um jogo ruim de doer, ele te inspira sobre o que não fazer! Houveram várias ocasiões onde eu precisava implementar alguma mecânica de gameplay e eu consegui entender o game designer por já ter jogado algo com mecânicas parecidas. Então essa é uma notícia boa para quem é gamer e quer trabalhar com jogos: suas milhares de horas na Steam vão te ajudar profissionalmente!
Visio – Você acredita que a imprensa é capaz de prejudicar de maneira fatal o lançamento de um jogo?
Gustavo – Definitivamente. A imprensa é uma influenciadora e formadora de opinião. O caso de No Man’s Sky, por exemplo: eu estava empolgado com a ideia do jogo, mas quando vi as reviews desanimei de comprar. É um jogo ruim? Não sei, porque nunca joguei.
Visio – Snes ou Mega Drive?
Gustavo – Vou responder com um meme
Visio – Qual o jogo da sua vida?
Gustavo – Se eu tiver que escolher um pra representar como é minha vida: Game Dev Tycoon. Agora, meu jogo favorito de todos os tempos é impossível dizer.
Visio – Como o Brasil é visto lá fora quando o assunto é desenvolvimento de jogos?
Gustavo – Eu acho que eles ainda ficam surpresos quando descobrem que fazemos jogos por aqui. Tem muito chão ainda pra sermos reconhecidos como referência para desenvolvimento de jogos!
Visio – Esse espaço é seu, deixe seu recado, faça seu merchandising. O 2join agradece sua participação nessa incrível entrevista e deseja que continue trilhando seu caminho de sucesso. obrigado!
Gustavo – Eu que agradeço! 🙂 A todos os parceiros, alunos, apoiadores: um muito obrigado pela parceria e confiança!
PERGUNTA DOS LEITORES
Pela primeira vez o 2Join abriu uma oportunidade aos nossos amigos leitores de fazerem perguntas ao entrevistado. Bora lá!
Visio, eu quero participar da próxima entrevista fazendo perguntas, como eu faço?
Mande uma mensagem para o 2join, na cartinha que aparece aí do lado, para adicionarmos você ao nosso grupo no Whats. Próxima entrevista será do Daniel Pesina, Mortal Kombat!
Gui Lessa – Qual a maior dificuldade de trabalhar com games no Brasil?
Gustavo – Gui, essa é uma pergunta muito comum voltada aos desenvolvedores brasileiros e nessa minha jornada nos últimos 7 anos vi essa pauta ser levantada várias vezes. A resposta é um pouco complicada, mas vamos lá: o Brasil é o 4º maior país consumidor de jogos do mundo e a indústria de jogos como um todo ultrapassa em faturamento a indústria cinematográfica. Parece ótimo, não? Por aqui no entanto, a indústria ainda é embrionária. Temos um cenário muito mais favorável para empreendedores (pessoa jurídica) do que pra empregados (pessoa física). O número de empresas no Brasil que contratam pelo regime CLT são poucas e estão espalhadas em algumas capitais. E todos os casos onde trabalhei remotamente foi através de contato PJ. Lembrando também que embora seja possível, é muito difícil fazer um jogo sozinho. O empreendimento nessa área é multidisciplinar e precisa de vários profissionais nas áreas de programação, arte, som, game design, etc. Claro que existem profissionais renascentistas, mas o caso comum é termos especialistas em áreas distintas. Agora imagina o trampo que é juntar essa galera, montar um cronograma, pagar o salário de todo mundo e manter um fluxo de trabalho constante pra realizar a entrega do produto a tempo. Nesse ponto, a Aquiris é uma empresa modelo e sem precedentes no Brasil.
Tom – Como é a sensação de trabalhar num jogo baseado em um jogo muito querido aqui para nós Brasileiros?
Gustavo – A sensação é espetacular! Top Gear fez um sucesso absurdo no Brasil e é muito difícil alguém que cresceu nos anos 90 não conheça. É muito gratificante andar por aí e ver gente jogando com entusiasmo uma parada que você ajudou a construir.
Orlando – Qual foi sua inspiração para entrar nesse ramo dos games?
Gustavo – Bom, eu jogo desde criança. Meu primeiro jogo foi Pitfall! para Atari, eu tinha 3 anos e lembro que era horrível nele. Meu irmão mais velho sempre fez “rolo” com os amigos dele, de forma que de tempos em tempos tínhamos um videogame diferente em casa. É engraçado que quando eu era criança não sabia muito bem o que queria ser quando crescesse, mas a ideia de fazer um jogo sempre pareceu me incrível. Muito tempo depois na universidade fui apresentado à pessoas que queriam fazer jogos. Eu tinha alguns conhecimentos de programação (fiz curso técnico e estava fazendo Ciência da Computação na época), então comecei a me aventurar pra esses lados. Meu primeiro jogo foi feito na Global Game Jam 2011, um evento mundial de criação de jogos. As game jams foram muito importantes para que eu descobrisse e redescobrisse a paixão por desenvolver jogos. No fundo, é um trabalho como qualquer outro: os estresses, as frustrações e as ansiedades do prazo se aproximando. A diferença está no produto final!
Fábio – Pretendem lançar o Horizon Chase para outras plataformas e quais foram as principais dificuldades encontradas na conversão de um jogo mobile para uma plataforma como o PS4?
Gustavo – Não sei dizer se há intenção para lançamento em mais plataformas. Eu trabalhei na versão Horizon Chase: World Tour e uma das nossas diretrizes na época é que seria um jogo single player para smartphones. Dessa forma, muito do que nós fizemos da época foi pensando nisso. Tenho certeza que muitas das dificuldades foram justamente nessa adaptação de single player para multiplayer. Como não participei dessa etapa não consigo dizer à qual solução que eles chegaram, mas posso ajudar a explicar o tamanho do problema. De forma bem simplista e até rude, o problema principal seria ter 4 jogadores ao mesmo tempo numa mesma tela. Pelo design do jogo anterior, teríamos que ter aproximadamente 4x mais objetos do que teríamos num jogo single player. Então toda essa questão de adaptação e otimização não só tomariam um tempo danado como não seria trivial.
Fabio – Já que esse game teve uma influência de Top Gear, já cogitaram lançar um jogo baseado em Rock N’ Roll Racing, outro game de corrida muito querido pelos fãs brasileiros?
Gustavo – Essa ideia já existe! Tem um jogo da Hoplon (empresa brasileira de Florianópolis) chamado Heavy Metal Machines. Ele é gratuito e está em early access na Steam. Ele também tem visão isométrica igual ao Rock N’ Roll Racing e uma brutalidade que lembra Twisted Metal. Vale a pena conferir!
Kayre – Quando o jogo sairá para Switch?
Gustavo – A Previsão é no terceiro trimestre desse ano!