Até Quando Serei Gamer? Um Velho Jogador
Você já se fez essa pergunta? Já se imaginou velhinho, sentado na sala da sua casa, com um neto do seu lado, enquanto você apresenta pra ele alguns dos clássicos que marcaram sua vida gamer? Ou você nunca parou pra pensar nisso, nunca se imaginou velho, que dirá um velho que jogue vídeo games? Bom, eu penso nesse assunto e, caramba, é estranhamente assustador e ao mesmo tempo reconfortante.
O Velhos da Minha Vida
Fui criado pelos meus avós maternos. Sou o mais velho de uma família de 4 irmãos, sendo que desde bebê, minha avó tomou a frente na minha criação, pois, um ano após meu nascimento, já havia nascido meu segundo irmão o Andrei. Minha mãe era muito nova, adolescente ainda e claramente teria dificuldades em criar dois filhos tão novos, então, com um pouco de ajuda, tudo seria mais fácil. Foi assim que eu acabei sempre no colo dos meus avós, comecei a dormir no quarto deles e, em pouco tempo, já não conseguia mais me ver sem eles ao meu lado.
Citei um pouco da minha história pessoal nesse artigo por achar que ele realmente embasa muito minha visão sobre o assunto, afinal, ser criado por pessoas bem mais velhas, acaba te colocando em situações em que você se imagina no lugar deles. É simples de entender: Uma menina enxerga na mãe coisas que ela deve repetir no futuro, como um espelho. O mesmo acontece com um menino em relação ao pai. Não que isso seja obrigatório, mas que é um sentimento fácil de entender quando ocorre. No meu caso, ao ver meus avós engajados na minha criação, eu também me imaginava sendo um ótimo avô para meus netos. Talvez por isso eu já tenha pensado tanto no assunto e, muito provavelmente, eu tenha desejado intimamente que a velhice fizesse parte da minha vida.
Meus avós sempre foram muito inteligentes, sempre conversavam comigo sobre coisas de adulto, assuntos difíceis, que faziam minha cabeça doer de tanto pensar. Eu participava, como um ótimo ouvinte, das conversas que os adultos tinham na casa, aprendendo a pensar como adulto, mesmo sem entender direito como isso funcionava, mas entendendo que por, muitas vezes, você era obrigado a concordar com algo que você realmente não concordava. Apenas pelo bem estar geral naquele momento, como se expor sua opinião não fosse mais importante do que a paz que ali estava. Essas lições começavam a ser cultivadas dentro de mim.
Antarctic Adventure – NES
Foram meus avós que me deram meu primeiro vídeo game, um Geniecom, mas isso eu já contei aqui, porém, o que realmente importa para esse artigo é que eles participavam das jogatinas. Eles jogavam? Raramente. Mas estavam ali enquanto eu jogava e isso foi crucial para eu entender que era possível me divertir com games mesmo depois de velho, mesmo se eu não estiver jogando, ainda será divertido.
Havia um jogo, Antarctic Adventure, que eu jogava no Geniecom e tinha uma música bem peculiar: Uma Valsa. Eu jogava o game não apenas por ser divertido, mas pelo efeito que ele causava. O que acontecia lá em casa quando eu jogava esse jogo era algo extraordinário: Minha vó ouvia aquela valsa e a música fazia ela viajar no tempo, quando era bem mais nova e dançava nos bailes da cidade pequena. Então, subitamente ela começava a dançar, na pontinha dos pés, girando pela casa, sorrindo e com os olhos brilhando de felicidade. Era incrível!
Super Mario 64
Depois de um tempo, quando ganhei meu Nintendo 64 dos meus avós maternos, outra situação com games acontecia lá em casa. Era a primeira vez que o Mario falava com aquela incrível voz do Charles Martinet e isso acontecia toda vez que eu ligava o N64 para jogar Mario. Era uma tela obrigatória, você sempre ouvia o Mario se apresentando e te dando boas vindas. Não demorou muito pro meu avô, como um papagaio bem treinado, começar a repetir essa frase enquanto andava pela casa. Era ligar o N64 e o Mario falar que isso acionava um modo automático em meu avô e ele repetia “It’s-a me Mario” toda vez que ele passava por mim na sala. Isso acontecia pelo menos umas 15 vezes a cada jogatina! Mano do céu! No começo era muito engraçado, depois se tornou cansativo, mas ainda assim eu ria, nem que fosse de raiva.
Em outras situações meu avô sentava no sofá da sala e ficava assistindo eu jogar. Todo orgulhoso do meu N64 eu tentava explicar pra ele como as coisas funcionavam e vez por outra eu entregava o controle nas mãos dele enquanto eu ia pro banheiro. Na verdade o banheiro era desculpa pra deixar ele mais a vontade, afinal, quando jogamos pra valer a gente caga nas calças, mas não larga o controle. Eu voltava sorrateiramente, por vezes eu até dava a volta por fora da casa, pra ver meu vô tentando jogar. Infelizmente ele não continuava quando eu voltava, mas mesmo assim eu conseguia perceber que era possível pra ele também, ou seja, que eu também poderia jogar quando envelhecesse.
Jogando na Velhice
Fazem algumas décadas já que minha vó se tornou uma gamer. Sim, uma gamer mesmo. O primeiro passo foi o contato direto com o Brick Game. Não me lembro, mas acho que era meu e ela acabou jogando algumas vezes até comprar um outro pra ela. Só sei que ela jogava de tudo. Eram 999 jogos no mesmo portátil. Porém, o passo mais importante na história gamer da minha vó foi quando ela decidiu começar a jogar em um clone de NES, uma versão do Dynavision, onde ela jogava APENAS um jogo: The Bugs Bunny’s Crazy Castle.
Era só esse game que ela jogava, mas a quantidade de horas que ela passava ali diariamente era surreal! Eram horas e horas jogando o mesmo jogo, repetindo do inicio ao fim, morrendo e tentando novamente, xingando e comemorando suas façanhas. Foi ali que ela desenvolveu um apreço aos games, foi ali que ela entendeu a genialidade que fazia o neto dela virar a madrugada jogando, mesmo que isso significasse ficar o dia inteiro com sono durante as aulas na escola. Depois disso ela nunca mais parou de jogar e ainda numa quantidade de horas muito superior a minha.
Visando a praticidade ela começou a jogar no Nintendo DS que eu deixava preparado para ela jogar, as vezes meu irmão Alexandre também auxiliava nessa tarefa (acho até que o DS era dele, não me recordo). O fato é que a minha velha jogava Nintendo DS! Vocês conseguem imaginar isso? Enquanto as avós do resto do mundo estão fazendo biscoitos pros seus netos a minha vó tá jogando Nintendo DS! Mano, eu nunca gostei de biscoitos caseiros e isso é sensacional! Minha vó já teve vários celulares e vários tablets onde ela foca em dois ou três jogos por vez e fica alterando entre eles. Viciada em Bust-a-move, essa gamer, com seus quase 70 anos de idade, é o meu espelho pra minha futura velhice!
Eu não sei parar! Um Velho Jogador
Já está decidido: Vou jogar até o dia da minha morte! Vou jogar na minha velhice, igual minha vó me mostra até hoje que é possível. Se meu neto gostar de biscoito eu compro outro neto pra mim. Se ferrar! Quero um neto ou uma neta, tanto faz, só quero que joguem comigo. Que me desafiem. Que façam piada com a minha falta de habilidade enquanto eu, no intimo do meu ser, mando eles tomarem no toba! Quero que a diversão faça parte da minha vida pra sempre, pois é o que a vida proporciona de melhor. Você passar um bom tempo jogando um game com amigos, esposa, irmãos, primos, avós, enfim, você dividir seu momento de diversão com mais alguém é algo mágico! Vocês conversam enquanto tentam superar desafios juntos, enquanto evoluem seu intelecto, enquanto buscam maneiras de não se matarem ali, na sala da casa, quando um movimento errado estraga o jogo inteiro. É um misto de emoções que quero ter saúde para continuar usufruindo.
Enquanto parte da nossa sociedade se preocupa com o que os games podem trazer de ruim na vida de alguém, eu prefiro pensar que os games também podem trazer algo de bom. Como toda atividade, se você não souber dosar, você pode se prejudicar e, o problema não são os games em si. Normalmente o problema está na pessoa que joga ou mesmo nos pais que usam os games como um instrumento pra se verem livres dos seus filhos.
Quero estar com 70 anos e jogar Street Fighter 2 com meu neto. Quero que ele me apresente as tendencias tecnológicas. Quero mostrar pra ele todo meu acervo gamer e a história do 2join. Quero que ele entenda que os games não foram uma parte da minha vida. Os games são mais que isso. Os games são a cola que nos une.